Kristen Stewart conversou com o AP Entertainment durante sua passagem pelo Festival de Cannes para divulgar Crimes of the Future, novo filme de David Cronenberg. Leia:

Em Crimes of the Future, de David Cronenberg, em que um artista interpretado por Viggo Mortensen tem órgãos e tumores sendo arrancados de seu corpo em performances artísticas, Kristen Stewart interpreta uma tímida burocrata rapidamente transformada em devota apaixonada.

No filme de Cronenberg, a personagem de Stewart, animadamente sem fôlego pelo que está testemunhando, se transforma em uma fã e, talvez, uma artista.

É um filme literalmente angustiante repleto de significados metafóricos sobre arte, com o que Stewart se conecta profundamente. Também é apropriado que o filme a levou de volta para Cannes, uma plataforma principal para a própria transformação de Stewart durante a última década.

“Há um certo comprometimento com o que se parece com arte radical em Cannes que é tão descarado, audacioso e um pouco arrogante de uma maneira bonita”, diz Stewart em um terraço com vista para a rua Croisette em Cannes. “Ninguém precisa ceder e dizer: “Bom, acho que o que estamos fazendo não salva vidas.” Tipo, sim, salva! Arte realmente salva vidas.”

Em uma entrevista, Stewart refletiu sobre como os temas de Crimes of the Future resumem e se encaixam em sua própria jornada artística.

A atitude sobre cinema “radical” que você está descrevendo certamente aplica a Crimes of the Future, mas Cronenberg possui dificuldades em conseguir financiamento para os filmes. Você já se sentiu frustrada por como Hollywood é diferente de Cannes?
Sim, é uma indústria. É motivada pela quantidade de dinheiro que você faz. Em Los Angeles, chamamos de negócios de cinema. Eu gosto porque quero que todos vejam o que fazemos, mas é sobre perspectiva. Se você não foca nisso, então não te afeta. Mas, ah, me magoa profundamente [risos].

Sério?
Sim, mas também reconheço que é algo abrangente. Isso é legal. Não há como evitar em uma sociedade capitalista. É bom realmente reconhecer como você é obcecado por algo em vez de fingir que não é nada demais. E sentir que cada entrevista que você está fazendo está com aparência de conversa, mas o que você está realmente fazendo é divulgar a data de estreia e o estúdio está ouvindo cada palavra que você fala, dizendo: “Não fale essa palavra. É provocante.” Tipo, o que?

Você viu sua personagem no filme como uma fã? Como você se conectou com ela?
Uma das questões que o filme levanta é quem tem o direito de julgar arte como “arte” ou não? O que estamos fazendo agora pode ser arte para alguém. Mas existem pessoas que se tornam tão frenéticas ao redor de outros seres humanos que são obrigadas a colocar para fora este sentimento interno e existe uma inveja que deixa as pessoas malucas. É bonito conhecer-se e mostrar-se para o mundo. Nem todo mundo faz isso e nem todo mundo é capaz disso. Mas definitivamente é algo que os seres humanos se sentem atraídos. Foi divertido interpretar alguém que é tão auto-reprimida e que quer fazer um bom trabalho. Ela acredita no mito, acredita no governo. Ela acredita em todas essas coisas que inventamos. (Stewart balança os braços apontando para tudo ao redor.). Nós inventamos tudo isso! Quando ela vê alguém fazendo algo diferente, seu coração começa a sair pela boca. E há esse desejo de ter uma experiência indireta. Pensei que seria legal interpretar alguém que tem um despertar completo.

Alguma versão do que aconteceu com ela já ocorreu com você?
Eu costumava pensar “para atuar, você só precisa ser um ótimo mentiroso.” Acho que fiz 13 anos e percebi que me emocionava tanto com certas experiências e me atraia tanto por certas pessoas. Eu saía com memórias que aconteciam nas cenas e sentia que eram minhas. Eram tão pessoais. Realmente não sei onde parei e onde tudo isso começou. Pensei: “Oh, sou uma artista.” Então, comecei a me tornar o oposto. Eu sempre estava com muita vergonha. Dizia que se você pode andar e falar, você pode atuar. Ainda penso assim. É apenas a disposição de se entregar. Mas absolutamente tive um momento. Foi como uma experiência religiosa. Você pode tirar a teologia desta palavra e é bastante intercambiável com fé. Comecei a crer. E realmente, de verdade, mudou a minha vida.

A metáfora principal do filme é sobre tirar a arte de dentro de si, algumas vezes de forma dolorosa, frequentemente de forma bonita, mesmo que seja grotesca. Você se identifica com essa ideia?
Definitivamente. Em retrospecto, eu não entendia que Saul Tenser (Mortensen) era o David. Eu acho que o David vai sobreviver mais do que todos nós e fazer muitos outros filmes. Mas há essa coisa sobre o último suspiro que um artista pode sentir até mesmo nos 15 anos de idade. Isto é a última coisa que vou conseguir fazer? Ainda vou fazer algo? Alguma coisa ainda vai sair de mim? Quando o Viggo está modificando os órgãos, pensei: “David, você nunca vai conseguir parar.” Obviamente, você se doa, você sente que está tirando pedaços para apresentar como oferta. Mas você recebe tanto em troca. É tão recíproco.

Você nunca sente que se doou demais?
Não, a dor é o prazer mais libertador. Esta coisa sobre ter que cortar um ao outro para sentir… Eu realmente iria até qualquer ponto. Recordo os momentos mais difíceis da minha vida pessoal, momentos que estive em um caos absoluto, com os olhos brilhando. Tipo: “Uau, eu estava em uma viagem corporal.” Existe euforia na dor, então é legal compartilhar. É realmente horrível passar por um momento doloroso sozinha.

Na conferência de imprensa do festival, Cronenberg falou sobre a possível anulação dos direitos de aborto para mulheres sendo o “verdadeiro terror corporal.” Você concorda?
Pensamos sobre o corpo em relação à legislação quase que exclusivamente sobre aborto e gênero. Basicamente tudo é sobre a fisicalidade. É difícil colocar em palavras porque esse provavelmente não é o melhor formato para começar a gritar aqui, neste balcão. Talvez isso seja tão ingênuo e tão estadunidense, mas eu realmente não achava que as coisas iriam ladeira abaixo de forma tão violenta e rápida. Tudo o que levaram adiante está sendo desmontado. A aceleração é tão avassaladora que é difícil compreender. É assustador pra caralho. Se eu tivesse crescido em outro lugar, talvez me sentisse diferente. Não estou tentando dizer para ninguém que estão errados. Tudo isso é tão estúpido e desnecessário.

Você está se preparando para dirigir seu primeiro filme. Como está indo?
Estive trabalhando neste projeto por cinco anos. Não queria me apressar, ele ainda não queria ser feito. É baseado em uma biografia e a beleza dela é que parece uma verdadeira memória de forma que há uma inteligência emocional e cronologia… Se chama A Cronologia da Água. É realmente sobre uma enxurrada de memórias que não parecem estar conectadas por algo lúcido, mas sempre por algo emocional. É muito difícil de fazer visualmente. Eu também não queria aplicar uma estrutura mais formal. Não seria a mesma história. É o texto mais físico que já li. A forma como ela fala sobre o corpo é algo que preciso ver em um filme. É como Lírios d’Água (de Celine Sciamma) e O Romance de Morvern Callar (de Lynne Ramsay). Minhas coisas favoritas são sempre a forma como artistas encontram suas vozes porque meio que grita para você encontrar a sua. Mesmo que você não se considere artista, você escreve sua própria história.

Fonte | Tradução: Equipe Kristen Stewart Brasil