Kristen Stewart e Laura Dern conversaram com a Vulture sobre o relacionamento que desenvolveram no set de seu mais novo filme, JT LeRoy, e sobre fama, sexualidade e o curioso segundo emprego de Kristen no set: babá do filho de Laura. Confira:

Há muitos níveis para cada uma de suas performances nesse filme. Vocês interpretam pessoas que estão interpretando pessoas interpretando pessoas. Como vocês não se perderam nessa toca do coelho?
Kristen Stewart:
Eu acho… o ponto era ficar um pouco perdido na toca do coelho. De um jeito moderado, obviamente, para que a história faça sentido e você não perca a cabeça. [Risos] A história é da perspectiva de Savannah, sobre uma mulher contando sua história que precisa de outra pessoa para contar sua história de uma perspectiva alterada. Trazer alguém para se encontrar através de algo que não é verdade, mas no fim das contas acaba sendo – Deus, persegue sua cauda em uma tempestade do diabo da Tasmânia.

Isso não foi muito bem articulado, mas eu não sei um bom jeito de colocar! Eu senti uma proximidade e um parentesco com Savannah por muitas razões. Eu me senti totalmente vista por Laura [Dern], e eu pensei que isso realmente refletiu o jeito que Savannah e Laura Albert se relacionaram. Apesar de termos um relacionamento bem mais saudável, comparativamente.
Laura Dern: Sim!
KS: Mas quem sabe, não tem muito tempo.
LD: Nos dê um tempo. [Risos]

Kristen, você pode falar mais sobre esse parentesco que você sentiu com a Savannah? Porque acompanhando sua carreira, ela parece com você de muitos jeitos. Você falou anteriormente sobre seu desconforto com a imprensa, tapetes vermelhos, a vida pública e sobre sua própria sexualidade.
KS:
Enquanto estávamos fazendo esse filme, Savannah se identificava como “ela” e agora se identifica como “iles”*. Em termos do processo e da evolução de ser uma pessoa, eu posso me relacionar com essa natureza não articulada de não ter respostas para perguntas muito exigentes. É algo que eu sempre fui um pouco estranha – não contra, porque isso fazer soar como se eu tivesse articulado isso. Mas eu tive uma aversão física a explicar as coisas de um modo que seja consumível para outras pessoas. Existe uma concepção errada que, se você consegue descrever algo como simples, fácil e confiante, você é mais segura de si ou mais realizada. Isso não é verdade. Somente recentemente me tornei confortável com essa ideia.

* iles – substituição dos pronomes pessoais “ela(s)” ou “ele(s)” pelos pronomes não-binários “ile(s)”

E, caramba, graças a Deus – eu acho que isso só aconteceu no nosso tempo, também. É mais fácil ter uma conversa longa que requer paciência ao invés de cinco anos atrás, quando as pessoas exigiam que eu me assumisse como gay. E eu ficava, ”Cara, como você sabe? Nem eu sei!” Era loucura. Para mim e Savannah, eu não me relaciono com a ideia de que são uma pessoa complexa que nunca vão parar de mudar. Não mudar como em, “se tornar o que você deve ser.” Você sempre é quem você deve ser, só há uma evolução. Não é tão fácil conhecer pessoas, e eu acho que estamos todos desenvolvendo melhores intenções em termos de conhecer um ao outro. Estamos ganhando paciência com isso. Não é uma coisa fácil. Eu tenho uma relação fácil com a identidade, eu só não tenho uma relação fácil com expressar essa identidade para a massa.
LD: Esse foi um diálogo incrível e articulado.
KS: Estou realmente lacrimejando. [Risos.] Meu processo tem sido retroativo. Talvez eu fosse realmente frustrada [no passado], tentando conduzir entrevistas onde eu estava claramente falhando miseravelmente. Mas eu acho que as crianças assistindo aquelas entrevistas e pensavam – e a razão pela qual eles me admiram hoje – ”Somos uma geração que não precisamos nos identificar com uma coisa se não quisermos.” Eu estive envolvida nessa narrativa que eu não estava ciente. E eu me sinto desse jeito sobre Savannah. Eu admiro de uma forma fundacional. Se você consome alguma arte, ou segue no Instagram, você vai saber o motivo. São contagioses*, autêntiques*, uma pessoa única. Nem sempre foi desse jeito.

* palavras alteradas para o sistema não-binário.

Eu não acho que as coisas mudaram drasticamente nos últimos cinco anos do jeito que você está falando, Kristen. É muito mais fácil existir nesse espaço no meio. A sua carreira, também – você está interpretando vários papéis onde mulheres são ou abertamente ou sutilmente queers. O que está por trás dessa escolha?
KS:
Não é consciente ou intencional, mas acho que é natural. Somos atraídos pelas coisas que nos identificamos. Eu não liguei para o meu agente e disse, ”Todas as minhas escolham precisam refletir a minha – preparada? – VERDADE!” [Risos.]
LD: Mas isso também fala sobre a coragem da Kristen, o que é um dom raro. Você sabe melhor do que ninguém como jornalista de cinema – é raro quando o artista encaixa com o ser humano. Por isso me apaixonei pela Kristen. Ela se encaixa dizendo, ”Essa é quem eu sou. Essas são coisas que me interessam. Vamos ter uma conversa, vamos fazer um filme para fazer mais perguntas, mas não porque precisamos enfiar a moral pela garganta das pessoas.” Ela se expressa como indivíduo, e isso é uma coisa bonita e rara.
KS: Essa é a Laura Dern. Eu levo ela para onde eu for. [As duas riem.]

Vocês podem falar como desenvolveram essa amizade? O que vocês faziam quando não estavam no set filmando?
LD:
Nós falávamos sobre o filme quando não estávamos filmando! E quando tínhamos tempo social, Kristen adotava meu filho adolescente, que é obcecado por ela. Eles se tornaram melhores amigos, o que foi mais fácil. Eu tinha uma babá, co-star, interesse amoroso – tudo em uma só. O filme é uma história de amor; é complexo, sobre intimidade e tem amor e ódio. Mas na vida real, somos amigas. E também tem a parte da babá. É um filme pequeno e independente, então eu não podia viajar com uma babá. [Risos.]

Laura, quantos anos tem o seu filho? E por que ele é tão obcecado com a Kristen?
LD:
Ele tem 17 agora, então ele tinha 15 anos na época. Quase 16.
KS:Eu viajo com a minha melhor amiga [Suzie Riemer] quando ela pode, e a Laura também. Então tínhamos uma pequena galera e ficávamos, ”Ellory, venha até aqui!” Eu sei o que é crescer em um set porque a minha mãe era supervisora de roteiro, e você quer que alguém te agarre e faça você parte do grupo, porque estamos todos presos lá. E também, falando nisso, Ellory é incrivelmente legal pra caralho. Quando eu tinha 16 anos, eu era uma idiota. Nós ficamos obcecadas com ele, para ser honesta. Suzie e eu ficamos maravilhadas em como ele era legal para a idade dele, e como nós éramos estranhas. Agora ele é mais legal do que nossos amigos.
LD: Meu elogio para a Kristen é que ela é honesta. Ela deixa que ele seja o adulto na sala. Não é tipo, ”Oh, do que você gosta?” Ela ficou tipo, ”Cara, o que você está sentindo? O que está acontecendo?”
KS: E ele respondia tudo!
LD: Ele gosta de ir fundo, também.
KS: Foi uma experiência incrível. E pudemos usar perucas o tempo todo.

Estou curiosa para saber se a performance inerente do filme é similar a performance da fama. Vocês sentem que são mais uma personalidade do que uma pessoa, ou que o público está tentando criar uma narrativa para você?
KS:
Eu sempre lutei ferventemente contra isso. Mas eu sinto em uma quantidade enorme. Eu já tive pessoas próximas a mim dizendo, ”Por que você não torna isso mais fácil para você? Quando você vai para um dia de imprensa, ou para uma entrevista, ou um tapete vermelho – você é atriz! Você não pode fazer coisas para que as pessoas não escrevam merda sobre você, ou tenham conversas difíceis?” E eu fico, ”Não, eu prefiro tê-las.” Eu preferia não ser atriz se tudo fosse uma grande mentira.
LD: Sinto o mesmo. Interessante, foi assim que a nossa amizade se desenvolveu porque nos conhecemos fazendo entrevistas. Nós nos conhecemos em um filme da Kelly Reichardt, Certas Mulheres, e no filme são histórias diferentes, mas ficamos juntas na divulgação. E ficamos tipo, ”Whoa! É alguém que quer responder do mesmo jeito, e tenta ser disponível, e até mesmo vulnerável para a imprensa.” Dez anos atrás era mais fácil estar em uma entrevista e ver um ator fazer o que a Kristen disse. ”Hey, você precisa divulgar, apenas crie sua história.” Mas agora os atores e a imprensa estão no mesmo time. Não que não estivéssemos, mas temos uma missão. O artista e a imprensa estão igualmente nessa categoria “fake news”, e queremos que a verdade seja exposta através da arte e do jornalismo. Temos uma oportunidade de falar sobre coisas reais, então vamos usar isso. Parece que somos parte de uma comunidade unida agora. É um sentimento lindo que você não tinha antes.

Vocês conseguiram identificar quando sentiram essa mudança, quando sentiram que podiam ser vulneráveis com o público?
LD:
Eu prefiro não identificar! [Risos.] Não, estou brincando. Estamos em um jogo.
KS:Você jogava mais quando era mais nova? Ou sempre foi a mesma?
LD: Eu literalmente estive encarando minha publicista desde que tinha 19 anos. E eu acho que ela está animada que eu finalmente comecei a ter um pouco mais de autopreservação. [Ambas riem.] Eu fui criada por atores hippies para apenas dizer a verdade, sua verdade política, falar sobre aquecimento global. Eu fiz uma comédia sobre aborto! Eu não preciso de uma movimentação, mas eu acho que eu pensava que precisávamos responder todas as perguntas, até sobre relacionamentos. Agora eu não respondo essas perguntas. Me tornei adulta. Para mim, bastou ter filhos. Eu não acho que era tão esperta quanto a Kristen. Agora, estou protegendo eles, então eu crio narrativas falsas para fazer as coisas soarem um pouco mais gentis às vezes. Eu amo todo mundo que eu já amei e trabalhei! [Risos] Além disso, eu falo a verdade sobre tudo.
KS: Isso volta para o que estávamos falando sobre a porra da sexualidade, essa coisa de gênero! É a mesma coisa – relacionamentos, coisas pessoais. Você sente a responsabilidade de não ser essa coisa falsa, sentada em frente às pessoas, pensando que você tem qualquer coisa interessante para dizer além de tentar vender um filme. Pessoas fazem perguntas para você, e é sua responsabilidade responder, não é? Porque eu não estou aqui para ser famosa. Então, sim, eu quero me dar para você. Mas quando as pessoas começam a pedir por coisas que não são você, para que eles possam pegá-lo e moldar em uma comodidade para vendê-lo? Isso não é sua responsabilidade, dar renda a eles. Tipo, vai se foder! Mas quando você é pequena, como você sabe quais perguntas responder e quais não? Você precisa crescer e pensar, ”Eu sei o que importa para mim e o que eu me importo.”
LD: Para ir mais fundo – porque estamos lacrimejando! – e sobre o fato de que somos as únicas meninas no filme? Estávamos com cinco caras fazendo entrevistas, e eles não recebiam as mesmas perguntas. Eu já namorei músicos e atores, e eu ficava tipo, ”Meu Deus, esse jornalista fez tantas perguntas sobre nós.” e ele dizia, ”Eles não me perguntaram nada.” Mas agora estamos trabalhando juntas como uma comunidade de atrizes.
KS: Estamos todas conversando, gente!
LD: Todas tivemos as mesmas experiências. Se um homem dissesse, ”Oh, você não gostaria de saber?” O jornalista diria, ”Oh, isso não é adorável.” Mas então se disséssemos, ”Oh, não estou confortável com esta pergunta,” o jornalista diria, ”Sério? Por que?
KS: ”O que você está escondendo?”
LD: Era bullying de um jeito diferente.

Falando dessa ideia de personalidade, vocês seguem o discurso da internet sobre vocês?
LD:
Não. Ai meu Deus, você vai me contar?
KS: Você está brilhando! Tudo o que eu vejo sobre você é muito legal.
LD: Eu compartilho coisas sobre minhas visões ou coisa assim, mas eu não leio nada. Não estou ciente. Você está ciente do que falam de você?
KS: Eu costumava ser quando eu era mais nova porque era muito, muito ruim.
LD: Até eu sabia! Estava em todos os lugares.
KS: Eu estava muito curiosa. Eu precisava que as pessoas não soubessem coisas de mim que eu não sabia. Em certo ponto, eu parei com isso porque, se tivesse um jeito de me virar do avesso, ou dizer isso enquanto estou fazendo um raio-X, você saberia que eu estou sendo honesta. Eu parei de me importar, e ficou muito mais fácil. Eu parei de me importar de verdade sobre o que eram as manchetes e os artigos. E agora, se eu pesquiso meu nome e leio as coisas, eu vejo como se fosse arte absurdista. ”Oh, legal, olha essa coisa estranha!” Eu não estou dizendo que tudo é mentira. A opinião e percepção de todos é deles, e se você vê uma foto minha andando na rua, isso aconteceu. Mas eu costumava ficar ciente porque eu me importava e eu queria controlar isso. E agora eu controlo não me importando. O que é irônico, mas funciona.

Quando e por que essa mudança?
KS:
Acho que uns anos atrás. Fiquei ocupada. O quanto mais longe fico de ser criança, fica mais fácil. E isso soa muito babaca, mas eu sou famosa há muito tempo. Nos primeiros anos, eu não conseguia entender quantas pessoas existiam na sala. Quando eu coloco todos eles em uma sala, eu percebo que posso ser eu mesma.

Fonte | Tradução: Equipe Kristen Stewart Brasil