Kristen Stewart foi capa da edição de maio da revista Porter e falou sobre sua estreia como diretora com a adaptação do livro de memórias de Lidia Yuknavich, The Chronology of Water. Confira as fotos e a entrevista traduzida abaixo:
Em uma tarde ensolarada em Los Angeles, Kristen Stewart está encerrando sua mais recente turnê de divulgação. Estamos no escritório da casa dela, situado em uma encosta em Los Feliz, com vista panorâmica da cidade. Depois de um início de ano turbulento, este momento marca o fim de um capítulo para Stewart, antes que o próximo seja escrito.
Desde que estreou no Sundance Film Festival no começo do ano, Love Lies Bleeding, o segundo filme da diretora e roteirista Rose Glass, cativou tanto o público quanto os críticos, em grande parte devido à fascinante interpretação de Stewart como Lou, uma gerente de academia aparentemente niilista, cuja vida vira de cabeça para baixo quando se apaixona à primeira vista por uma fisiculturista.
“Acho que ficamos chocadas por termos conseguido fazer esse filme”, ela me conta, enquanto voltamos para a varanda dos fundos. “Porque é tão estranho. É violento e às vezes um pouco irredimível, mas faz você prestar atenção. É assustador e confrontante.”
Encaixar o filme em qualquer uma das categorias que foi rotulado até agora — ação, thriller, romance, mistério, neo-noir — parece redutor. Glass citou tanto Showgirls quanto Os Embalos de Sábado à Noite como influências, enquanto no Letterboxd uma crítica diz que é: “Amor à Queima-Roupa para gays.” De alguma forma, Love Lies Bleeding invoca o espírito de todos esses filmes lendários, mas está em uma categoria própria ao mesmo tempo: um sonho febril corajoso que desafia os gêneros e exala sexo, vulnerabilidade e surrealismo de maneira simultânea.
No meio desse caos, a atuação de Stewart atinge uma sutileza delicada que faz você chorar em um momento e rir em outro. “Acho que as coisas ficam hilárias nos momentos mais dramáticos da vida… É uma combinação estranha de tons”, diz ela. “Por isso que a Rose é boa para caralho. Você acharia que ficaria desajeitado.”
Há uma efervescência quase infantil na maneira como Stewart fala sobre o trabalho com Glass, ficando tão animada em certos momentos que chega a levantar da cadeira, destacando com animação a coragem da cineasta, a aparência de sua personagem e a rejeição total da “besteira prescritiva” que muitos executivos da indústria esperam da arte de uma perspectiva feminina. “Tenho tanta admiração por ela… e tem me inspirado muito. Mas, ao mesmo tempo, penso que ainda não cheguei lá.”
Só o tempo dirá. Quando nos conhecemos, Stewart está aproveitando as duas últimas semanas de calma antes de embarcar no que será o próximo projeto que definirá sua carreira: o primeiro filme como diretora. Ele é baseado em The Chronology of Water, um penetrante livro de memórias de 2011 escrito pela americana Lidia Yuknavitch e que explora as experiências dela com vício, abuso sexual na infância e, enfim, se encontrar na escrita e na natação competitiva como meio de catarse.
“Estou fazendo o que chamamos de ‘preparação leve’, o que soa meio estranho,” diz Stewart. “É o lugar em seus sonhos em que você vive antes de ter uma equipe à disposição.” Até certo ponto, essa preparação leve está em andamento há mais de sete anos. Depois de conseguir os direitos do livro, ela anunciou o projeto pela primeira vez no Festival de Cannes em 2018, antes de contratar a atriz britânica Imogen Poots para interpretar o papel principal. Mas a jornada para dar vida ao projeto não tem sido fácil. Stewart tem falado abertamente sobre sua luta para financiar o filme ainda este ano, quando em janeiro declarou que pararia de atuar até conseguir completar o projeto.
“É uma coisa meio constrangedora de falar, porque é difícil fazer qualquer filme. Sabe, um que não esteja falando de algo bem padronizado”, ela reflete. “Meu filme relata incesto, menstruação e uma mulher conseguindo a voz e o corpo de volta de uma maneira violenta, e isso, às vezes, é difícil de assistir… mas vai ser uma aventura emocionante. Eu acho que é comercial, mas parece que não tenho ideia do que isso significa”, ela ri. “Acho que as pessoas gostariam de assistir, mas então… talvez elas queiram assistir filmes sobre, sei lá, Jesus e cachorros.”
Para dar vida a sua visão, Stewart está levando a produção do filme para a Letônia, em vez da bolha cinematográfica de sua cidade natal, Los Angeles, onde reside com sua noiva, a roteirista Dylan Meyer. É uma decisão que ela me diz ter lhe dado a capacidade para ter a liberdade que precisa em um processo muito exploratório. O pequeno país no norte da Europa será o cenário para cenas em Nova York, San Diego, Florida e no noroeste do Pacífico, abrangendo três décadas de história. “Há uma cultura cinematográfica iniciante lá. Olha, eu adoro a maneira como fazemos os filmes aqui [nos EUA], mas precisava de um distanciamento radical. Ainda não sou diretora. Preciso fazer um filme pequeno. Não posso fazê-lo aqui.”
Há uma franqueza pura e modesta que emana de Stewart — uma atriz ganhadora de vários prêmios, indicada ao Oscar, que trabalha na indústria do entretenimento desde a infância e que interpretou a personagem principal em uma das franquias mais lucrativas da história do cinema. Apesar de sua posição em Hollywood — atuando, produzindo e agora dirigindo —, ela fala sobre a máquina, da qual ela indiscutivelmente faz parte, com um senso de distância e um cinismo encantador. À medida em que nos aprofundamos na decisão dela de resistir o máximo que conseguiu, para criar a arte que ela quer, a paixão pelo material fica clara, mas também existe algo mais profundo na jogada. As escolhas de Stewart parecem uma retaliação contra uma indústria em que artistas, especificamente mulheres, são forçados muitas vezes a ceder seus instintos para terem sucesso.
“Existe uma ideia de que podemos marcar umas caixinhas e acabar com o patriarcado e como todos somos feitos dele”, ela considera. “É fácil para eles dizerem: ‘Olhem o que estamos fazendo. Estamos produzindo o filme da Maggie Gyllenhaal! Estamos produzindo o filme da Margot Robbie!’ E você pensa: ‘Ok, legal, vocês escolheram quatro…’ E eu as admiro, eu amo essas mulheres, mas parece falso. Se estamos nos parabenizando por ampliar a perspectiva, quando realmente não fizemos o suficiente, então paramos de ampliar.”
Dois dias antes de nos encontrarmos, Stewart completou 34 anos, uma ocasião que ela me disse que não teria comemorado se não fosse pelo incentivo das pessoas que ama. (Meyer, sua parceira há cinco anos, compartilhou uma mensagem de aniversário no Instagram com uma foto de Stewart de pernas cruzadas em uma cama segurando o gato de estimação das duas: “Eu realmente amo você e desejo uma chuva de meteoros de coisas boas no ano que está por vir.”) Mas Stewart sente uma gratidão profunda por este momento específico de sua vida.
“Estou muito, muito feliz com a minha idade”, ela declara, contemplando a forma como suas prioridades criativas mudaram com o tempo. “Como atriz, sou chamada para servir às visões de outras pessoas. Você fica ganancioso, é bom ser chamada… mesmo quando você não gosta do trabalho. É legal que, à medida que envelheço, prefiro ajustar minhas experiências para objetivos com foco no resultado em vez de só algo que vai ser bom para mim.”
O contentamento de Stewart também parece estar enraizado no conhecimento de que, embora sua experiência como mulher aos olhos do público tenha sido longe de ser fácil, aconteceu em uma época ainda mais impiedosa. “Mesmo que ainda sejamos emocionalmente violentos com as mulheres hoje em dia, é muito mais passivo-agressivo… Antes, era direto para caralho.”
Stewart é sagaz no jogo da fama e encontrou maneiras de superar o escrutínio. Ela tem pensamentos conflitantes sobre as redes sociais, dizendo que são falsas e performáticas por um lado. “Mas então penso que isso é arrogante e completamente redutivo porque há verdade em tudo o que você vê.” Ela só tem uma conta secreta no Instagram que mantém privada e só para postar “selfies com amigos”.
Mas ela passou a gostar de partes do trabalho voltadas para o público. O estilo de Stewart, em particular, evoluiu para uma mistura divertida entre o casual e o luxuoso, levando um toque despojado para seus looks no tapete vermelho. “Se a moda não fizesse parte do meu trabalho, usaria a mesma coisa todos os dias… e não conheceria esse meu lado, que é muito divertido.”
Para a capa da PORTER, alguns dias antes do nosso encontro (aliás, para os fãs de Crepúsculo, no dia do eclipse solar), Stewart adorou colaborar com a equipe e com a fotógrafa Zoey Grossman para criar uma história que ela queria para sair dos padrões. “Tenho sorte de ter feito muitas sessões de fotos… mas é sempre em alguma casa chique de meados do século e você fica relaxando em algum ambiente doméstico. A ideia [com essas fotos] é que queríamos que parecessem feitas em um tempo prolongado. Acabei de ler uma história sobre uma dona de casa que percebe que é um fantasma, então pensei: ‘E se fingirmos que estive nessa sessão de fotos por 100 anos?’ Eu amo trabalhar com a Zoey. Você pode realmente experimentar e fazer coisas loucas.”
Enquanto nos preparamos para nos despedirmos, fico impressionada com o quanto Stewart fala despreocupada; sem assessor e com uma aversão nítida à bajulação da qual muitos na indústria se consideram escravos. “Fico constrangida com qualquer coisa que não seja autêntica”, ela ri. “Mas então penso: ‘O que é autenticidade?’” De onde estou, parece que ela não precisa procurar muito para saber.