Kristen Stewart posou ao lado de sua colega de elenco em Love Lies Bleeding, Katy O’Brian, para a capa da edição digital da revista Them. Confira as fotos e a entrevista com as duas abaixo:
Em uma manhã de inverno, em Altadena, sigo o cheiro de suor e o som de Kelela até o quarto de uma casa alugada, onde um monte de queers lutam em cima de um colchão com lençóis de cetim. Entre a pilha estão quatro pessoas não binárias (nomes: Rae, Jay, Ray e Raw), um casal que vai passar a tarde dando uns amassos apaixonados, e, no meio, Kristen Stewart e Katy O’Brian — colegas de elenco no thriller Love Lies Bleeding da A24 — abraçando uma a outra com calor sáfico.
Sessões de fotos como esta podem ser divertidas, mas nunca são divertidas assim — um sentimento palpável no set, enquanto risadas ecoam, membros se entrelaçam e as estrelas da capa desfilam em cuecas boxer. Entre a atmosfera brincalhona e as roupas confortáveis, Stewart está em seu elemento, uma mudança bem-vinda para a musa de longa data da alta costura. “Há 15 anos que desejo fazer uma sessão de fotos assim”, ela sorri depois de finalizar o dia.
Estamos sentadas em um sofá surrado no estúdio de música improvisado na casa de Altadena. Um pedaço grosso de palo santo queima em uma mesa próxima, repleta de baseados descartados e garrafas vazias de cerveja. Stewart usa uma jaqueta bomber preta e touca cor de creme. A luz do sol atravessa a fumaça enquanto ela reflete mais sobre a sessão de fotos: “Parece um pouco tipo, dã, mas de uma forma que é legal e nada contundente. De certa maneira, mostra que cresci até um lugar mais maduro e relaxado em que não estou mais com tanta raiva que isso não aconteceu há 15 anos.”
Faz sentido que a ex-atriz mirim de 33 anos esteja ansiosa para participar de um quadro tão gay neste momento da carreira dela. Depois de anos liderando gigantes de Hollywood como Crepúsculo e As Panteras, seus projetos recentes foram definidos por livre arbítrio criativo e narrativas queer rebeldes. Hoje, o público americano pode vê-la como Lou, a gerente de uma academia decadente com um corte mullet elegante, em Love Lies Bleeding. Também em preparação: o papel principal em uma biografia abrangente da crítica Susan Sontag e uma adaptação do livro de memórias de Lidia Yuknavitch, que marcará sua estreia na direção de longas-metragens.
Para os fãs que estiveram atentos, os projetos futuros de Stewart não é uma mudança repentina. Desde seu trabalho em Para Sempre Alice, de 2014, até sua interpretação indicada ao Oscar da Princesa Diana em Spencer, de Pablo Larraín, ela tem focado no cinema independente. Dito isso, nós nunca vimos algo como Love Lies Bleeding vindo de Stewart. É claro, havia ondas sutis de desejo queer pulsando por seu papel em Acima das Nuvens, de Olivier Assayas. E sim, ela até interpretou uma lésbica assumida (mais ou menos) na comédia romântica de Natal de Clea Duvall em 2020, Alguém Avisa?. Mas há uma diferença entre ser os “vegetais escondidos” de um filme para famílias feito para promover tolerância, como Stewart agora enxerga o original do Hulu, e ser a lésbica controladora no centro de um filme que retrata descaradamente algumas das coisas insanas que as sapatonas passam.
“A identidade foi eliminada dos meus objetivos”, diz ela em relação a Alguém Avisa?. “Eu recebia muitas anotações dos executivos do estúdio em relação ao meu cabelo e minhas roupas. Eu pensava: ‘Vocês leram o roteiro e me contrataram. O que estamos fazendo aqui?’ Era irritante pra caralho.”
Ela continua: “E tudo bem, porque acho que há formas de encobrir as coisas para ser fácil para todo mundo digerir. E não tenho problema com isso. Sinceramente, parabéns para a Clea, porque eu não tenho paciência.”
Com seu filme mais recente, não foi necessário encobrir nada. “É legal pra caralho”, diz ela enquanto ri.
Se Love Lies Bleeding representa um tipo de performance revelação para Stewart, o projeto representa uma revelação mais tradicional para sua colega de elenco, Katy O’Brian, que fez testes para o papel de Jackie — seu primeiro papel principal em um filme — depois que um fã enviou uma DM para ela no Twitter com a chamada de elenco. “Uma fisiculturista gay do Centro-Oeste”, O’Brian leu, sendo ela uma ex-fisiculturista gay do Centro-Oeste. Ela pensou: “Vou morrer se não conseguir esse papel.”
Pessoalmente, a artista marcial e atriz de Mandalorian de 35 anos parece tão poderosa quanto Jackie, seus bíceps feitos para o desejo do TikTok. Embora diferente de sua personagem, cuja ira pirotécnica impulsiona o filme, O’Brian é brincalhona e vulnerável — “um pouco idiota”, usando as palavras dela.
Enquanto almoça em um parque em Beverly Hills, ela se refere a sua primeira impressão do roteiro: “Puta merda.” Consigo ver seus olhos se arregalando por trás do vidro castanho de seus óculos aviador enquanto ela lembra da mistura de entusiasmo e medo: “Estava tremendo enquanto lia”, lembra O’Brian. “Esse definitivamente seria um dos papéis mais desafiadores que já interpretei.”
Também seria o mais emocionante. “Porque a Jackie era uma personagem completa com interesses e emoções verdadeiras”, ela me conta. “E também havia algumas cenas de sexo.”
Com certeza havia. Na verdade, essas sequência feitas com muita habilidade são parte da razão pela qual Love Lies Bleeding reflete um ponto de virada não só na carreira das atrizes principais, mas também no ambiente do cinema sáfico moderno. Chegando no fim de uma era quase comicamente saturada de um certo tipo de narrativa lésbica — isto é, em grande parte morna, muitas vezes branca e sempre antiquada — o segundo filme propulsivo de Rose Glass representa tudo que filmes desse tipo não são. É cheio de tesão, bruto e comprometido em representar relacionamentos queer contemporâneos com todas as marcas reveladoras de ternura e toxicidade que os tornam legitimamente nossos. Raramente desde Ligadas Pelo Desejo das Wachowskis que sapatonas fizeram uma bagunça deliciosa nas telas. A diretora observa enquanto sorri que esse era o plano desde o começo: “Há muitos dramas de época lésbicos muito bons por aí”, ela me conta no Zoom. “Eu sabia que não queria fazer esse tipo de filme.”
O que ela fez foi um sonho febril sáfico em esteroides, uma aventura sinistra e gloriosamente gay, estrelando uma futura galã musculosa e a atriz queer mais reconhecida da geração.
O que você faria por amor? Fugiria de casa? Lutaria? Mataria? Essas perguntas já inspiraram dezenas de suspenses românticos. Para nossa sorte, Love Lies Bleeding adiciona algumas novas pautas ao cânone, como: O que você faria por um sexo tão bom que faz você sentir que nasceu de novo? Tão legítimo que substitui as pontas soltas da sua vida por um propósito repentino e inegável? O quão longe você iria por uma ativa piedosa que coloca você em um altar? Por uma princesa versátil que faz você se sentir uma deusa?
Entra Lou, de Kristen Stewart, e Jackie, de Katy O’Brian. Situado em uma cidade do sudoeste durante os Estados Unidos de Reagan, Love Lies Bleeding é ao mesmo tempo uma história de vingança e uma representação revigorante e empática, uma que trata seus personagens com curiosidade em vez de cuidado. Enquanto outros filmes possam focar nas consequências trágicas de uma obsessão romântica, esse busca entender como duas personagens que quase não se conhecem podem levar seu amor a extremos sanguinários.
“O que eu amo nesse filme é que ser queer não é o conflito”, diz O’Brian. “É o tipo de filme que eu, uma pessoa queer, gostaria de assistir — não ter um drama em relação a minha sexualidade e só admirar essas duas malucas.”
Nossas protagonistas se encontram bem no começo, quando Jackie faz uma parada na academia de Lou a caminho de uma competição em Vegas. O encontro pode ser facilmente interpretado como cósmico, o tempo parece desacelerar enquanto elas flertam entre os supinos. Para O’Brian, o momento traz lembranças de sua primeira atração queer. “Eu tive a mesma experiência quando vi uma pessoa com aquele tipo de aparência andrógina pela primeira vez — alguém que não estava preocupado em passar todo o tipo de maquiagem e tal”, ela me conta. “Foi o meu despertar.”
De volta na academia, Jackie corajosamente abaixa os shorts, oferecendo a bunda para ser preenchida por esteroides romenos. “Já consegue sentir?” Lou sorri depois de administrar a injeção. “Como Popeye e seu espinafre.” Logo as duas chegam no apartamento de Lou, onde tropeçam amorosamente até uma cama iluminada como mel. O que acontece em seguida é uma série de cenas de amor marcantes — enérgicas, mas sem pressa, verdadeiramente eróticas sem cair na objetificação sáfica. “Comparado a algo como A Criada, em que você as assiste gritando no ato, esse é mais íntimo”, O’Brian observa.
Stewart concorda, notando que o que torna as cenas sensuais é mais do que uma atenção detalhista às manobras físicas. “Não consiste em mostrar o sexo simulado no filme”, ela diz. “Isso me deixa muito envergonhada. Estou cansada de assistir e de fazer.”
A atriz está muito mais interessada no subtexto sexual e no diálogo implícito que alimenta a intimidade na tela — “as maneiras nas quais você deixa a pessoa com quem você está ficar no controle ou ser consumida”, ela explica. “Essas foram as escolhas, e foram decisões muito bem articuladas, mesmo que não-verbais, que fizemos juntas. E sem essa dinâmica, ninguém teria gozado. Literalmente, daria para tirar o corpo da cena. Você poderia me dizer a coisa certa, e isso é o que vai me levar até o orgasmo. Me diz que eu sou algo para você. Me diz que eu posso ser maior do que você, embora eu tenha 1,65m e você tenha 1,80m, e eu chego lá.”
A atração instantânea de Jackie e Lou é ainda mais marcante sabendo das circunstâncias nada sexy do encontro das duas na vida real. Isso foi em 2022, em uma manhã quente de primavera em Los Angeles. Stewart havia sido escalada para o elenco recentemente e O’Brian estava chegando para uma leitura de química.
“Nunca pensei que conheceria Kristen Stewart. Então, eu cheguei e ela estava lá. Pensei: ‘Hm, é a Kristen Stewart. Que legal.’” Não muito tempo depois, enquanto outra Jackie em potencial gritava em outra sala, a novata decidiu se apresentar. “Fui falar com ela para ver qual era a vibe, ver se conseguiria”, O’Brian conta. “Então fui até ela e disse: ‘Oi, eu sou a Katy. Vou fazer um teste para a Jackie. E a Kristen estava parada, tipo: ‘Não me diga.’”
Até então, não parece o tipo de interação que se traduz naturalmente em lamber as axilas uma da outra na frente de uma diretora, que neste momento está a menos de uma hora de acontecer. “Eu disse para ela: ‘Foi muito rápido chegar aqui, mas pareceu longe porque meu gato fez xixi no meu carro e eu não consegui tirar o cheiro.’ E foi assim que eu conheci a Kristen.”
Quando pergunto para Stewart sobre o encontro, ela diz que as energias incompatíveis das duas, na verdade, as posicionou de maneira ideal para os papéis que interpretaram. “As interpretações estranhas que tínhamos das nossas personagens e o que podia estar acontecendo em um certo momento nunca eram as mesmas. Era perfeito, porque elas são obcecadas uma pela outra mesmo quando raramente estão conversando sobre a mesma coisa.”
Dois anos e uma filmagem de seis meses depois, as duas compartilham o ambiente facilmente, se enrolando em um sofá banhado pelo sol em um momento. Durante um intervalo nas fotos, puxo uma cadeira. Estamos conversando sobre astrologia quando O’Brian pega um caderno desgastado entre as almofadas. Engulo em seco, percebendo as páginas familiares manchadas de café. É o meu diário, digo timidamente.
“Posso olhar?” Ela sorri, ciente do quanto o pedido é audacioso, mas encantadoramente despreocupada.
“Claro.”
Stewart observa em silêncio do outro lado do sofá enquanto O’Brian vira as páginas, para, e lê em voz alta: “Boa menina.”
Olho em volta, nervosa e envergonhada com a intimidade repentina. “Uma fala do filme de vocês”, murmuro.
Stewart se ilumina, reconhecendo rapidamente o momento — um em que Lou exala aprovação enquanto Jackie se masturba. “Não há nada melhor do que esse sentimento”, ela exclama, projetando-se na personagem de O’Brian. “Me diga que estou fazendo um bom trabalho. Nossa, faço qualquer coisa.”
Mais tarde, Stewart elabora em relação à potência que essas narrativas sexuais carregam: “Estamos todos em nossas mentes, é tudo fantasia. Não significa que é mentira, mas precisamos acreditar nas histórias que escutamos sobre nós mesmos para então pensar com o corpo, levar para o exterior, e permitir que seja tocado do jeito que você decidiu que é bom.”
Acontece que, às vezes, as histórias que contamos para nos excitar nos deixa com peças faltando quando a manhã chega. Jackie e Lou aprendem do jeito difícil. Mais ou menos na metade do filme, depois de uma noite de briga e sexo transcendente, nossas namoradas acordam com uma reviravolta brutal, as levando a um caminho sangrento de retribuição.
Contrastando com inúmeros filmes tímidos sobre desejo não correspondido, Love Lies Bleeding realmente deixa as lésbicas transarem e se descobrirem, subvertendo o que significa ser um filme “lésbico”. “Insinuar que a ‘nossa’ experiência pode ser um gênero próprio é perigoso. Não quero perpetuar isso”, diz Stewart. “Temos tanto a descobrir, tanta auto exploração e toques em nós mesmas. Precisamos chegar na base, cara. É a única maneira de contar histórias, vindo de dentro.”
Entre a beleza e o caos de músculos e carros explodindo, Glass encontra maneiras sutis de continuar a codificação sáfica. Notavelmente, como O’Brian observa, Lou chega em uma cena de crime usando uma roupa curiosamente específica. “Ela coloca a roupa de assassinato”, a atriz ri. “Ela usa um macacão vermelho com mangas curtas. É estiloso, mas um look para limpar um assassinato? É hilário.” (Acho que se podemos ter moda para ir na feira, podemos ter a roupinha perfeita para nos livrar de um cadáver.)
Na verdade, Jackie só está começando. Porém, mesmo quando o filme se aprofunda mais na violência, ele ainda traça as texturas da codependência tecidas através de relacionamentos que podemos reconhecer. Sim, os riscos foram exagerados para um efeito dramático. Mas quem entre nós não buscou a promessa do amor até as garras da obsessão?
De volta em Altadena, Kristen e eu estamos falando sobre sangue. Especificamente, ela está descrevendo a inspiração sensorial para sua adaptação de Chronology of Water, a exploração impressionante de Lidia Yuknavitch sobre luto, fetiche e ambição adolescente.
“Eu amo o livro, amo a escrita. Eu consigo sentir o cheiro, consigo senti-lo pulsando e vazando, e isso precisa ser visto”, ela me conta. “A primeira cena do filme é só sangue escorrendo do corpo.”
Sangue verdadeiro, acrescenta a diretora, antes de pensar em voz alta: “Devo fazer que ela encha um coletor menstrual ou pego um frasco de sangue direto da veia? Precisa ser grosso.”
Ela está falando sobre Imogen Poots, que vai estrelar o filme. “Vou pegar o sangue dela e o meu, provavelmente”, Stewart reflete.
Usar o próprio corpo não é a única maneira pela qual ela busca levar a si mesma para a adaptação. Além de Poots, Stewart vê o resto do elenco formado por ex-atores mirins: “Pessoas que sentimos falta, mulheres que pararam de ser contratadas porque não eram mais ‘as meninas’.”
“Não quero dizer que não trabalham mais”, ela esclarece. “Mas quero dar papéis bons pra caralho para pessoas que eu admirava quando era pequena. Quero colocá-las nos filmes.”
Para Stewart, ir para trás das câmeras é uma transição natural. Depois de se sentir restrita em sets anteriores, ela anseia pelo fluxo criativo. “Trabalhar com um diretor ruim é como respirar por um canudo, como se qualquer verdade ou espaço a ser visto fosse sufocado”, diz ela. “Sinto que não tenho mais para onde ir. Tenho que fazer um filme.”
Enquanto os últimos raios do sol da tarde preenchem a sala com a luz âmbar, a nossa conversa volta para a química — o tipo que junta pessoas, que excita, que nos inspira a crescer. Estou pensando especificamente em uma passagem de Chronology of Water. Abrindo de novo o diário que O’Brian achou nas almofadas do sofá, começo a ler: “Você verá que há um tom subjacente e um enredo para a sua vida por baixo…”
“… da história que lhe contaram”, Stewart continua, de cór. “Quem saberia disso além de você? Sua habilidade de se metamorfosear, como material orgânico em contato com elementos transformadores.”
Muitos atores desejam ser vistos como o ideal platônico de si mesmos, esculturas de cena no olhar público. Stewart procura algo diferente: o espaço para ser mutável, para resistir aos limites calcificados das expectativas da indústria. “Em uma palavra, eu sou líquida pra caralho, cara”, diz ela. Conclui-se que essa liberdade a levaria até Yuknavitch, cujo livro de memórias encontra beleza em “reapropriar a dor, as experiências ruins e a narrativa.”
“Recontar a história é tão necessário para a sobrevivência de qualquer pessoa que já precisou mudar o caminho no qual foi colocada”, ela continua. “Entende?”
Concordo, depois pergunto: “Está falando um pouco de você, né?”
“Com certeza”, ela confirma depois de uma pausa. “Não sei mais de quem falaria.”