Kristen Stewart foi entrevistada pela revista Empire para falar sobre o novo filme de Rose Glass, Love Lies Bleeding, o qual protagoniza ao lado de Katy O’Brian. Confira a entrevista abaixo:
O primeiro filme de Rose Glass chocou o sistema. Depois de uma carreira solitária com um passado violento, determinada a salvar a alma de uma ex-estrela do showbusiness, Saint Maud foi um ponto de vista obscuro e envolvente em relação à ruína de uma jovem mulher por meio da devoção religiosa extrema. O filme foi repleto de performances hipnotizantes e momentos de arrepiar — a palavra “caralho”, da reação de James Dyer, da Empire, ao assistir o filme foi usada para divulgá-lo e resumiu perfeitamente o impacto. O longa também apresentou Glass para o mundo como uma nova cineasta visionária, recebeu muita atenção das premiações (incluindo duas indicações ao BAFTA) e reuniu elogios dos críticos, públicos e estrelas de Hollywood — incluindo uma que se tornaria uma grande parte do próximo passo de Glass.
“Eu amo muito Saint Maud”, diz Kristen Stewart para a Empire. “A construção é perfeita, ele é tão incontrolável, assustador e hilário. Se você passar um tempo com ele e entender do que se trata, você pensa: ‘Uau, acho que essa pessoa é um gênio.’” As duas organizaram um encontro em Londres e Glass apresentou o novo filme pela primeira vez para qualquer pessoa. “Achei que tinha sido péssimo”, a diretora ri. “De repente fiquei deslumbrada.” Mas apesar do nervoso de Glass, Stewart nem pensou. “Eu estava disposta a fazer qualquer coisa com ela”, diz a atriz.
É um bom trabalho. O novo filme é Love Lies Bleeding e é uma aventura e tanto. Uma sequência natural a Maud de algumas formas, mais diferente impossível de outras. É maior e mais corajoso, a ideia esteve cozinhando por um tempo, aparecendo primeiro para Glass durante a pós-produção de seu primeiro filme. “Eu estava surfando em uma onda de confiança de ter realmente feito um filme e de não ter sido um desastre”, diz ela. “Então, quando Saint Maud estava basicamente terminado, eu pensei: ‘Foda-se, vamos fazer outro.’ E no começo pensei que seria legal fazer algo em relação a uma fisiculturista.”
Glass pegou a ideia da “personagem feminina forte” e seguiu com ela. Isso agradou a Stewart. “Fiquei muito contente e impressionada com a resposta de Rose em relação à permissão de fazer um segundo filme”, diz a atriz. “Ela me disse que estava trabalhando em algo sobre uma mulher forte, porque ela foi encorajada pela indústria que funcionamos dentro disso. Acho que é uma maneira fácil para as pessoas se sentirem bem e darem o sinal verde para filmes, se nós superarmos os obstáculos e nos tornamos afirmações ambulantes. Então ela disse: ‘Vou te mostrar uma afirmação ambulante, caralho.’”
Com Stewart no elenco, Love Lies Bleeding ganhou atenção. “Ela tinha acabado de ser indicada ao Oscar”, diz Glass. “Ela podia fazer o que quisesse e escolheu esse projeto estranho com alguém que só fez um filme. Quando Kristen assinou o contrato, muitas portas foram abertas. De repente, foi tipo: ‘Ok, esse filme vai acontecer agora.’” O levantamento de peso (pesado) estava prestes a começar.
A fisiculturista supracitada, Jackie, é interpretada por Katy O’Brian — mais conhecida até agora por interpretar Elia Kane em The Mnadalorian e Jentorra em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Uma nômade com grandes bíceps e sonhos ainda maiores, Jackie acaba em uma cidade pequena a caminho de Vegas para uma competição de fisiculturismo, onde conhece Lou (Stewart), gerente da academia. As duas se apaixonam e Jackie acaba envolvida em todos os tipos de problemas em relação ao pai de Lou (Ed Harris), dono de um campo de tiro. Escrito por Glass e por Weronika Tofilska (“Eu não queria escrever sozinha de novo porque Saint Maud levou muito tempo e me senti um pouco estressada e solitária”), Love Lies Bleeding é uma mistura explosiva. Começando como um estudo de personagem parecido com Maud, o filme se expande para incluir elementos de crime, surrealismo e humor ácido, tudo orbitando ao redor do romance principal entre Jackie e Lou.
“Acabou sendo uma anti-história de amor”, explica Glass. “Com a coisa do fisiculturismo, Jackie está em uma trajetória muito única, direta e clara”, como por exemplo, ir em direção ao objetivo de competir em Vegas. “Achamos interessante pensar em maneiras de desviá-la. O romance foi uma boa ideia. É em relação a ir contra a ideia do amor romântico ser a maior aspiração que devemos esperar conquistar na vida, que o amor precisamente transforma você em uma pessoa melhor, que se apaixonar e seguir os seus sonhos são coisas naturalmente virtuosas.”
Como Stewart adiciona: “O filme diz que se você ama alguma coisa o bastante, você vai fazer absolutamente qualquer coisa para justificar. Ou para proteger.”
Para mergulhar no universo extraordinariamente musculoso do filme, Glass visitou academias de levantamento de peso em Londres, assistiu séries dos anos 80 e estudou a pioneira Lisa Lyon. “Eu acho o relacionamento que as pessoas têm com seus corpos interessante, especialmente quando é levado ao extremo”, explica Glass. “Não há como se esconder com o fisiculturismo. Não há ambiguidade. Você só fica com aquela aparência indo por um caminho, e são anos de disciplina.”
O aperfeiçoamento do eu, especialmente por meio de medidas corporais drásticas, reverbera nos dois filmes de Glass. Enquanto Maud queimou a mão em uma das bocas do fogão e colocou pregos em seus sapatos em busca de se purificar e demonstrar obediência à divindade dela, Jackie idolatra o altar da força e o auge da fisicalidade, levantando pesos e se enchendo de esteroides na busca do reconhecimento de que seu corpo é o melhor de todos. “Há paralelos entre as obsessões de Maud e Jackie”, confirma Glass. “Minha teoria é que se você olhar mais perto de qualquer pessoa fazendo qualquer coisa extrema, pode encontrar a motivação. É um exercício interessante pegar uma pessoa que por fora parece muito longe de algo que você pode se relacionar, mas depois voltar para um ponto de empatia. É algo que acho emocionante no cinema, especialmente: a capacidade única de se colocar no lugar de outra pessoa.”
Encontrar a pessoa certa para Jackie era crucial. “Desde o começo estive certa de que tínhamos que encontrar alguém que pudesse ser convincente fisicamente como fisiculturista, porque não é algo que você pode fingir, mas que também pudesse atuar”, diz Glass. “Assistimos centenas de vídeos. Estávamos nos aproximando do início das filmagens e não encontramos ninguém. Então o vídeo da Katy apareceu e todo mundo disse: ‘Ai, graças a Deus.’”
O’Brian tinha alguma experiência com o mundo dos músculos. “Já participei de competições de fisiculturismo”, diz ela. “Eu sei o que é querer conquistar algo. A dieta, a nutrição e os exercícios, ver a mudança em seu corpo, ter aquele foco e disciplina… isso me atraía muito.” Já em boa forma, O’Brian trabalhou com o treinador Steve Zim para ficar mais forte, fazendo pelo menos uma hora de exercício aeróbico e outra levantando peso, seis dias por semana. “Eu gostei do desafio”, diz O’Brian. “Quando você muda sua aparência ou se modifica de algum jeito para entrar em um personagem, isso ajuda. Filmamos quase de forma cronológica, então enquanto Jackie treinava para a competição dela, eu também estava treinando. Parecia que eu estava com ela.”
Essa é uma metade do caótico casal principal de Love Lies Bleeding. Enquanto a outra… lembra de como Kristen Stewart disse que estava disposta a fazer qualquer coisa por Rose Glass?
A primeira vez em que vemos Lou, ela está desentupindo um vaso sanitário com a mão. É justo dizer que ela não está no seu melhor momento. “É 1989, estamos no meio do nada nos Estados Unidos”, diz Stewart. “A Lou é invisível. Ela não consegue existir nesse lugar, não encontrou nenhum tipo de comunidade. Ela está definhando até essa menina chegar na cidade.” De todas as academias de todos as cidades do mundo, Jackie entra na de Lou. Como Glass descreve: “A Lou ficou muito confortável e presa em sua própria vida. Então, a Jackie aparece e a enlouquece.”
Stewart foi uma escolha óbvia e incomum ao mesmo tempo. “Precisávamos de alguém enigmática, misteriosa, mas que também tinha esse lado rabugento e moleque”, diz Glass. “Kristen pareceu um encaixe natural. Mas não acho que ela tenha interpretado muitas personagens assim.” Stewart admite que Lou não se parece em nada com ela, mas foi o que a atraiu. “Eu corro muito”, diz a atriz. “Não gosto de parar. Gosto de seguir em frente, então parece que essa estagnação é muito oposta à minha natureza. Você quer que essa menina faça uma manobra de Heimlich emocional para viver. É muito satisfatório.”
A satisfação também vem de alguém como Lou estar na frente e no meio de uma aventura ousada e sangrenta como essa nas grandes telas. “Essa menina em particular normalmente nunca seria a protagonista”, diz Stewart. “Ela seria a amiga estranha enfatizando algum tipo de aleatoriedade que não estivesse em destaque.” Se existe uma coisa na qual você pode contar com Rose Glass, é que personagens normalmente considerados estranhos podem ser o centro das atenções.
Entre a motivação incessante de Jackie e Lou presa em uma rotina, as diferenças emocionais entre as duas são importantes, assim como as físicas e o papel que elas desempenham contra a expectativa quando se trata de força versus fraqueza, feminilidade versus masculinidade, dominância versus submissão. (“É uma dinâmica interessante ter a Kristen, que é muito menor do que eu, como minha namorada durona”, diz O’Brian.) O elemento queer está bem inserido nesse filme — no olhar, no sexo, na dinâmica de poder. “Binários são um pouco chatos”, diz Glass. “O solo para fazer algo em relação a uma fisiculturista é muito fértil. Não deveria ser tão escandaloso ver pessoas como essas duas em filmes, mas ainda há algo muito chocante em uma mulher muito musculosa.”
O principal obstáculo entre o casal e o felizes para sempre é o pai de Lou, que também se chama Lou, interpretado de maneira tão ameaçadora e idiossincrática pelo lendário Ed Harris. Ele é um cara que está envolvido em muitos esquemas ilegais e que mantém um controle persistente sobre sua filha. Ele também é um cara que ama muito insetos. Ama comê-los, observá-los e tê-los como animais de estimação. “Para falar a verdade, foi o que me atraiu parcialmente ao papel”, admite Harris. “Só achei que era uma característica ótima do meu personagem.”
Ainda mais memorável do que a coleção assustadora e rastejante de Lou Sr é sua aparência — ele é careca no topo da cabeça com mechas longas dos lados e usa óculos enormes. Harris e Glass pensaram no visual despojado juntos. “Ele basicamente surgiu com a ideia”, diz a diretora. “Eu perguntei para ela: ‘E se esse cara tivesse um rabo de cavalo?’” diz Harris. “Então coloquei apliques longos e pensei que cortaríamos quando Rose visse. Mas ela disse: ‘Não, vamos manter assim.’ Portanto tenho esse cabelo longo, o que foi bastante engraçado.”
Esse humor foi parte do charme e do objetivo de brincar com os estereótipos a todo o tempo para Glass. “Era para pegar o arquétipo do patriarcado mal e levar em uma direção inesperada”, explica ela. “Em algumas cenas, ele é assustador, mas muito engraçado em outras.” No entanto, não se engane: Lou Sr é do mal, como Harris demonstra: “Ele realmente é representado como o diabo.” Enquanto Saint Maud se tratava da ascensão até Deus, Love Lies Bleeding descende até um lugar mais obscuro.
Love Lies Bleeding marca um grande aumento em escala para Glass. Há a ambientação nos Estados Unidos, o que não estava nos planos. “No começo, brincamos com a ideia de se passar na Escócia”, lembra Glass. “Gostávamos da ideia de uma história de amor lésbica corpulenta e masculina de Glasgow, mas talvez não fosse fácil conseguir financiamento.” Há o elenco A-list, o orçamento maior, o equilíbrio mais difícil de tons e gêneros. Há a localização mais remota e desafiadora (O’Brian cita o calor, as aranhas e os enxames de mosquitos com os elementos mais difíceis). Há o grupo de personagens bem maior do que os dois de Saint Maud — incluindo a irmã de Lou, Beth (Jena Malone), o marido dela JJ (Dave Franco), e Daisy (Anna Baryshnikov) que é obcecada por Lou. Como Glass se sentiu liderando tudo isso?
“Foi um pouco assustador”, ela admite. “Não percebi o grande passo que era até estar filmando. De vez em quando, havia dias em que eu olhava ao redor e pensava: ‘Ah, merda, o que eu fiz?’ Mas então, é tarde demais para se preocupar, então seguia em frente.” Havia terror, mas também emoção. “Era emocionante tentar fazer algo que eu não tinha certeza de que conseguiria.”
Embora esse filme seja muito maior, há muitas semelhanças com Saint Maud. Há os temas de obsessão e extremidade, a mudança de foco para aqueles que estão fora de uma comunidade, a violência chocante e uma pitada do sobrenatural e fantástico. O mais importante para Glass é sua abordagem geral ao cinema que continua consistente.
“Apesar de ter sido uma caixa de areia muito maior para brincar, tentei o máximo manter o mesmo etos e a mesma mentalidade de fazer uma coisa íntima”, diz ela. “Além de todas as grandes coisas bombásticas que acontecem, o enredo principal está nessa história de amor e nesse relacionamento bem íntimo, assim como Saint Maud. É olhar para as coisas emocionantes, complicadas e psicológicas entre os personagens em pequenos espaços. Naturalmente, gosto muito de explorar as áreas moralmente ambíguas dos comportamentos das pessoas, observá-las tomando decisões ruins, mas tentando entender os motivos.”
É esse tipo de visão que torna Glass um talento tão emocionante do cinema britânico e Love Lies Bleeding é uma promessa tão intrigante e nova. “Constantemente assistimos filmes sobre mulheres superando forças opressoras porque de alguma forma somos eticamente ou moralmente superiores”, diz Stewart. “Tipo, não, foda-se isso. Estou cansada. Estou cansada pra caralho desse tipo de filme. Então, parece que nesse nos permitiram tirar os vestidos e correr para a rua, usar os brinquedos dos meninos e empurrar na cara deles — e ao mesmo tempo falar: ‘Não somos nada como vocês.’”
Só Deus sabe as citações que esperam pelo pôster desse filme.