Olivier Assayas, diretor de Sils Maria, escreveu um artigo para a revista Vogue da França onde ele fala sobre seu trabalho com a Kristen e nos conta um pouco da personalidade de atriz. Confira o artigo completo:
Eu acabei de fazer um filme com ela, mas não posso dizer que conheço Kristen Stewart, isso é provavelmente devido à sua natureza e a minha, e que também se refere, provavelmente para afinidades mais profundas, mais intimistas, um pouco não formuladas, aquelas que me atraiu para ela, aquelas que a atraiu para mim. Outras pessoas são mais familiarizadas com sua carreira, para mim é um processo mais longo, turvo e provavelmente vindo de sua aparição em um filme de Sean Penn, fotografado por Eric Gautier e adaptado por Jon Krabauer; foi uma silhueta de uma garota (muito) nova que eu mantive em mente, além das qualidades reais de Na Natureza Selvagem.
É difícil, então, de imaginar que um dia nossos caminhos iriam se cruzar, tanto nos filmes quanto na vida. Eu acredito muito em curto-circuito. Esse deve tudo à Kristen Stewart e a ousadia e espírito de rebelião que a definem. É isso que a faz uma boa atriz? Não é essa a pergunta, é possível, mas não essencial: É acima de tudo, o que faz com que ela viva, o que faz com que ela preencha a tela com uma intensidade, uma violência também, que aniquila tudo o que pode ser morno, falso, para jogar perto da zona que ela irradia.
Isso é ainda mais perturbador porque ela não vem de algum subúrbio ou marginalidade, ela vem de Los Angeles, o coração da indústria, e não sua aristocracia, um pouco como uma classe-média conformista. E ainda assim ela é determinada pela ruptura, uma liberdade de movimento quase selvagem, que não deve nada a qualquer sugestão previsível, seja moral ou estética. Não é boba, ela não deve uma explicação a ninguém. Bella Swan em Crepúsculo, uma silhueta em Na Estrada, ou carregando Branca de Neve e o Caçador por si mesma, ela está lá por inteiro, toda vez, sem recuo, sem insinuações, sem julgamento, nessa evidência que só pertence a ela e a faz passar através dos filmes por diagonais inspirados por uma intuição animal. Ela possui um alter ego como todas as atrizes, mas talvez isso seja mais radical nela. Existe sua privacidade, protegida por uma casca dura, constituída no segredo mais bem guardado, aquele que se esconde na luz, como ela cresceu no set. E então, há esse outro que ela se torna assim que a câmera está ligar, em que ela empresta esse poder, essa verdade nua que nós não podemos saber como foi adquirida, de onde vem e a natureza exata consciência que ela tem disso.Charles Gillibert, que produziu Sils Maria, estava com Nathanaël Karmitz, o produtor de Na Estrada, foi com ele que conheci Kristen pela primeira vez. Uma noite em Silencio, não é o lugar mais propício para conhecer alguém. Nós nos vimos muito tempo depois, depois de concordar em nos comunicar no Skype e decidir que trabalharíamos juntos: foi em circunstâncias ainda mais abstratas, um desfile da Chanel no Grand Palais, as modelos evoluíram em ruínas inspiradas em desenhos de Enki Bilal, o mínimo que podemos dizer é que ela estava em representação. Nós fomos juntos, tentando o máximo que podíamos ter uma conversa normal. No dia seguinte, nós almoçamos no restaurante do hotel – um fã roubou as chaves da minha moto, pensando que eram as dela. O essencial estava no implícito; e o explícito realmente queria evitar danificar o que não foi dito. Ela estava feliz, eu acho, por ter a oportunidade de se aventurar em um território que ela provavelmente fantasiou, mas não era familiarizada, o cinema europeu. E depois para ser confrontada com uma atriz, cuja liberdade de tom e movimento a inspirou, Juliette Binoche. Eu estava sentindo um estranho desequilíbrio, como se ela soubesse melhor do que eu o porquê de estarmos ali. Como se tudo fosse mais claro para ela, na verdade, essa é sua força, tudo é claro como cristal para ela, ela manteve que a capacidade das crianças para decifrar o mundo com o laser. Para mim, nada era claro, além de que nunca é claro, a menos que eu estou no set, não enfrentando os atores, mas os personagens que retratam, no meio do caminho entre eles e eu. Eu acho que é só nesse momento que eu consigo entender como unir os pedaços. Eu não digo que não confio na minha intuição, é ao contrário, eu confio nas bordas da irresponsabilidade, no entanto, eu sei que em filmes o que conta não são os elementos isolados e sim sua química. Eu percebi que Kristen tinha o bastante para estimular e até empurrar Juliette, eu não sabia se ela saberia ser empurrada por Juliette, se ela se colocaria em perigo, se visitaria novos espaços em um cinema que ela ainda não explorou, se isso podia estar aberto para ela. Tem algo misterioso na relação que construímos – inconscientemente- com presenças que assombram o cinema. As filmagens de Sils Maria foram avançadas e a silhueta da estrela de Crepúsculo começou a desaparecer, reduzida para uma aura sobrenatural, quando eu me lembrei de ver Kristen muito tempo atrás em O Quarto do Pânico, não é o melhor filme de um dos melhores diretores atuais, David Fincher – ela era a filha de Jodie Foster. Eu tinha esquecido. Ao invés disso, eu estava pensando em The Runaways. Uma biografia não muito boa sobre a banda criada por Kim Fowley, da onde vem Joan Jett por quem eu sempre tive uma fraqueza desde Cherry Bomb, na verdade (sou o único interessado nela desde que ela tocou em um filme de Paul Schrader, Light of Day?). Kristen deu luz com tanta realidade, vinda de um tempo em que ela não conhecia, e que eu achei impressionante. Muitos seixos brancos que marcam o meu caminho não só à Kristen, mas a essa parte dela que tenta encontrar a si mesma, dando vida a algumas das áreas do cinema de hoje, as mais vulneráveis e, ao mesmo tempo menos visíveis.
Eu sempre admirei a coragem das atrizes e especialmente quando elas vão à procura de aventura e desafiam-se no desconhecido. Juliette Binoche que encontra Abbas Kiarostami, Isabelle Huppert seguindo Brillante Mendoza para a floresta ou Maggie Cheung quando veio para Paris filmar, longe de suas marcas em Hong Kong, um filme de um diretor francês cuja notoriedade ainda era confidencial, eu mesmo. Eu constantemente pensava nelas enquanto assistia Kristen no set de Sils Maria. Eu não fiz nada mais fácil para ela, nossos sets eram situados em algumas das regiões mais isoladas da Europa: Leipzig, Engadine e South Tyrol. Ela estava sozinha na maior parte do tempo, só com uma assistente fazendo companhia, embora sorridente e devotada. Não é apenas sobre a isolação geográfica – difícil voltar pra L.A. no final de semana, no entanto – mas sobre a situação de vulnerabilidade em que ela se encontrava. Não precisava dizer que as nossas locações não davam para ela o conforto com que estava acostumada – nas montanhas, nós podemos até dizer que era simples. Eu não estou dizendo que ela está acostumada com um casulo e que ela estava sentindo falta, eu acho que ela odiaria essa ideia, mas que seus hábitos de trabalho e concentração estavam determinados por sugestões que ela não tinha lá. Ela não fala francês que, apesar de nossos esforços, permaneceu como a segunda língua no set, e estava imersa em um ambiente estranho e desconhecido. Nunca tivemos um ensaio – nem uma mesa de leitura – e até as gravações estavam mudando, nunca estabilizadas, abertas ao improviso, ao questionamento das situações mais fortes.
Isto é provavelmente devido à personalidade de Juliette Binoche, o respeito que ela inspirou em Kristen; ela viu um modelo. Não um modelo como uma atriz, mais como um modelo de independência, da soberania, vis-à-vis as leis de cinema. Juliette construiu sua carreira transgredindo, se expondo sem reservas, sem restrições, de se aventurar em territórios que ela não sabia nada sobre, arriscando perder-se. No fundo Kristen sabia, por instinto, que liberdade é a única coisa que conta e o que ela estava procurando em Juliette era a chave. Eu estava com medo que ela não se deixaria ser abalada, mas foi o contrário, ela veio porque ela queria ser abalada, ela queria ser botada em perigo porque além de sua própria virtuosidade – o controle de sim mesma e todas as diferenças de sua atuação que ela aprendeu vivendo sua vida nos filmes, desde pequena – ela sabia que havia outra dimensão de abnegação, onde a espontaneidade e a linguagem do inconsciente têm precedência. Às vezes, os atores são movidos por cinefilia, pela fumaça e espelhos de um prestígio artístico ou intelectual associado com o cinema independente – e eu não digo isso somente do jeito negativo, essas alianças podem ser mutuamente benéficas – mas não há um pingo de cálculo em Kristen. O que a move é coragem, determinação e um segredo de uma jovem atriz que descobre a riqueza e a complexidade de sua arte, que se sente magnetizada por áreas onde ela será capaz de experimentar e viver tais coisas. Apesar de o status adquirido na indústria, a atenção da mídia não-convencional a que é submetida, por mais que isso traga benefícios para ela, isso a colocaria, prenderia para ser mais exato, em um quadro vinculativo, redutor e com resultado sufocante.
Eu estava falando sobre o segredo, eu acho que o mistério indecifrável que Kristen pode ter e as certezas não formuladas que eu tinha percebido durante nosso primeiro encontro, veio exatamente disso: o que ela está em processo de se tornar, ela mesma, de forma clandestina, por atalhos. Aplicando esta lei não escrita que rege a Hollywood – ser livre, mas a nunca dizer uma verdade que não segue as regras estabelecidas da indústria. Passo a passo, ela aprende sozinha como ser uma pessoa pensativa e singular, uma figura totalmente diferente no cinema americano. Ela está inventando um lugar para si mesma – não é mais uma questão de provar nada, mas para realizar-se em um único caminho que vale a pena, na existência e na arte, tanto inseparáveis. Basicamente fazer tudo o que foi até agora proibido.